segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Esconde-esconde

Contam que, certa vez, reuniram-se todos os sentimentos e qualidades dos seres humanos em um lugar da Terra.
Quando o Aborrecimento havia reclamado pela terceira vez, a Loucura, como sempre tão louca, propôs:
- Vamos brincar de esconde-esconde?
A Intriga levantou a sobrancelha, intrigada, e a Curiosidade, sem poder conter-se, perguntou:
- Esconde-esconde? Como é isso?
- É um jogo, explicou a Loucura, em que eu fecho os olhos e começo a contar de um a um milhão, enquanto vocês se escondem. Quando tiver terminado de contar, o primeiro de vocês que eu encontrar ocupará meu lugar para continuar o jogo.
O Entusiasmo dançou, seguido pela Euforia. A Alegria deu tantos saltos que acabou por convencer a Dúvida e até mesmo a Apatia, que nunca se interessava por nada.
Mas, nem todos quiseram participar: a Verdade preferiu não esconder-se.
- Para quê, se no final todos me encontram? - pensou.
A Soberba opinou que era um jogo muito tolo (no fundo, o que a incomodava era que a ideia não tivesse sido dela!) e a Covardia preferiu não se arriscar.
- Um, dois, três, quatro, ... começou a contar a Loucura.
A primeira a esconder-se foi a Pressa que, como sempre, caiu atrás da primeira pedra do caminho.
A meteu-se numa igreja e a Inveja escondeu-se atrás da sombra do Triundo, que, com esforço próprio tinha conseguido subir na copa da árvore mais alta.
A Generosidade quase não conseguiu esconder-se, pois cada local que encontrava lhe parecia maravilhoso para algum de seus amigos: se um lago cristalino, ideal para a Beleza. Se a copa de uma árvore, perfeito para a Timidez. Se o vôo de uma borboleta, o melhor para a Volúpia. Se uma rajada de vento, magnífico para a Liberdade. E, assim, acabou escondendo-se em um raio de sol.
O Egoísmo, ao contrário, encontrou um lugar muito bom desde o início. Ventilado, cômodo, mas apenas para ele.
A Mentira escondeu-se no fundo do oceano (Mentira! Na realidade, escondeu-se atrás do arco-íris.)
A Paixão e o Desejo no centro dos vulcões.
O Esquecimento... não me recordo onde escondeu-se, mas isso não é o mais importante.
Quando a Loucura estava lá pelo 999.999, o Amor ainda não havia encontrado um lugar para esconder-se, pois todos já estavam ocupados. Por fim, encontrou um roseiral e guardou-se nele.
- Um milhão! - terminou de contar a Loucura e começou a busca.
A primeira a aparecer foi a Pressa, apenas a três passos de uma pedra.
Depois, escutou a discutindo com Deus sobre filosofia.
Sentiu vibrar a Paixão e o Desejo nos vulcões.
Em um descuido, encontrou a Inveja e, claro, pode deduzir onde estava o Triunfo.
O Egoísmo, não teve nem de procurá-lo. Ele, sozinho, saiu disparado do seu esconderijo, que, na verdade, era um ninho de vespas.
De tanto caminhar, sentiu sede e, ao aproximar-se de um lago, descobriu a Beleza.
A Dúvida foi mais fácil ainda: a encontrou sentada sobre uma cerca, sem saber em qual lado esconder-se.
E assim foi encontrando a todos: o Talento entre a erva fresca; a Angústia em uma cova escura; a Mentira atrás do arco-íris... (Mentira! Estava no fundo do oceano!) O Esquecimento que havia esquecido que estava brincando de esconde-esconde.
Apenas o Amor não aparecia em lugar algum. A Loucura procurou atrás das árvores, embaixo de cada rocha do planeta e em cima das montanhas.
A ponto de dar-se por vencida, encontrou um roseiral.
Pegou uma forquilha e revolveu todos os ramos, quando, no mesmo intante, escutou um doloroso grito. Os espinhos haviam ferido o Amor nos olhos.
A Loucura não sabia o que fazer para desculpar-se. Chorou, rezou, implorou, pediu, e até prometeu ser sua guia.
Desde então, quando pela primeira vez brincou-se de esconde-esconde na Terra... o Amor é cego e a Loucura sempre o acompanha.


Fonte: arquivo pessoal, autoria desconhecida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário