A seguir utilizo uma síntese da adaptação do texto da autora Íris M. Boff, em seu livro "Fé e vida crescem juntos", da Ed. Paulinas, para conceituar as influências da visão que filhos tem sobre Deus, considerando ensinamentos, diálogos e práticas de pais. O texto tem por objetivo proporcionar reflexão àqueles que atentam para a diversidade religiosa e a pluralidade existente nos diversos contextos cristãos.
DEUS DOS PAIS, DEUS DOS/AS FILHOS/AS
“(...) As
primeiras imagens de Deus que a criança incorpora são adquiridas na família com
seus pais, e essas são as que mais permanecem.” (p. 38-42 op. cit.)
Assim,
na maneira inadequada de falar, também há deformação do rosto de Deus.
A
análise e reflexão sobre algumas frases corriqueiras e comuns que as mais
dirigem aos filhos e filhas podem trazer mais informações. Estas informações
formam uma ideia falsa acerca de Deus:
DEUS VINGADOR
-“Viu só o
que te aconteceu? Bem que eu te avisei... Sabe o que é isso? Isso é castigo de
Deus.
Sempre
que alguma coisa errada acontece, Deus se vinga e castiga. Quando os pais falam
dessa maneira, estão apresentando à criança um Deus mau e vingador.
Deus
não é assim, vingador, mau. Deus é de uma bondade extrema e sem limites, que
até se aproveita dos erros e fracassos, fazendo com que deles se tire lições
para a vida futura. Erros são para corrigir e ensinar, e o momento depressivo e
cheiro de frustrações não é, certamente, o melhor para se falar de Deus à
criança. Para ela, isto será mais um peso a carregar.
Falar
de Deus à criança dessa maneira é prepará-la para a desilusão. Com efeito, tão
logo ela tomar consciência do engano que sofreu, jogará fora esse Deus e, com
ele, poderá jogar fora também as demais oportunidades para seu amadurecimento
na fé.
DEUS “VAIVÉM”
“- Não faça
isso, senão Jesus fica triste; ele chora e vai para longe de você.”
Esta é outra grande blasfêmia, segunda
a autora Serbena, que deforma o rosto de
Deus. É uma chantagem que se faz com a criança, apelando comodamente para seu
fácil sentimentalismo. Pelo sentimento da criança, compra-se, vende-se um deus
cômodo. Manda-se Deus para longe da criança, ou se chama para bem perto, de
acordo com a conveniência do momento. Manipula-se Deus ao bel-prazer, quando,
na verdade, se sabe muito bem que Deus jamais abandona seus filhos e suas
filhas, sejam bons ou maus. É o ser humano que se fecha diante de Deus,
afasta-se, não deixa espaço para Deus e não percebe o quanto Ele está na vida.
Não se pode apelar para Deus por
qualquer coisinha, quando razões lógicas e humanas podem explicar e solucionar
certas situações. Pode-se falar com a criança de maneiras como essas: se você
bater no seu irmãozinho, você vai ficar sozinho e sem amigo para brincar;
repartindo o brinquedo, você vai ganhar um amigo e ficar muito mais feliz. Ou
então: se você não vestir este agasalho, não poderá passear por causa do
resfriado que vai entrar em você. E assim por diante...
DEUS “DEDO-DURO”
“- Vou sair
e não quero que vocês briguem. Eu não estou vendo, mas Deus está vendo tudo.”
Em outros momentos, para estas
crianças, havia-se falado que Deus ia embora; agora, quando convém, Deus fica.
Está aí, não como um pai, uma mãe, um amigo, mas como um “dedo-duro”, um
fiscal, que está sempre de olho, policiando todos os feitos. Esse deus é a babá
mais barata, a melhor e mais eficiente empregada da mamãe e do papai. Também
esse deus, felizmente deve ser jogado fora.
DEUS “ENCICLOPÉDIA”
“ – O que faz a
água ser molhada?
-
É Deus que faz assim.
-
Por que eu não ganho mais um irmãozinho?
-
Porque Deus não quer.
-
Pra que é que a gente reza (ora)?
-
Porque Deus mandou."
Tudo é Deus. Ele funciona como uma boa enciclopédia, um
bom dicionário, um bom livro para pais e adultos se safarem de perguntas
curiosas que crianças fazem. Essa é a maneira que eles consideram mais rápida e
certa de responder a tudo. Para não assumir a responsabilidade de responder,
para não admitir a falta de bom senso e para acabar com a curiosidade da criança,
coloca-se tudo nas costas de Deus: sua iniciativa, vontade e as conseqüências
de tudo. Isso dá ideia à criança de que Deus é um “saco de pancadas”, ou “pau
pra toda obra”, “resposta para todas as perguntas”. Ele é o controlador de um
grande espetáculo e as pessoas são marionetes, fantoches presos a ele com
cordas e submetidos aos seus caprichos.
Deus não é assim, mas Deus tem a
coragem santa de criar o ser humano livre, mesmo correndo o risco de ser aceito
ou rejeitado por ele.
O Deus manipulador, opressor, descrito
acima, é uma válvula de escape para os pais. É este Deus que se deixa fabricar
e manipular. Deus não é assim: é preciso que se permita nascer um Deus que ama,
presente a todos os instantes, que liberta, que se oferece, aguarda e espera que
seus filhos e suas filhas o amem. É este amor infinito que Deus nos oferece,
com confiança plena em nós.
Também é importante convencer-se de que
nós adultos precisamos rever estes nossos conceitos, modificando nossas formas
de expressão sobre Deus, que sejam mais construtivas e mais verdadeiras.
DEUS OU JESUS
A
recomendação é iniciar por Deus. Se vocês misturam Jesus e Deus, a criança não
saberá quem é quem. Deus traduz o princípio, meio e fim de tudo. Com Deus está
a ideia de poder, bondade, grandeza. Estes três princípios estão associados à
ideia que as crianças fazem de seus pais. Deus é aquele de quem Jesus falou de
maneira humana, como os humanos entendem. Jesus falou de Deus imitando a pessoa
humana em tudo, menos no pecado, é claro! Podemos retomar o Credo Apostólico...
“nasceu da barriga de Maria, foi
pequeno, aprendeu a falar, engatinhar, andar como todas as crianças...” O
menino Jesus é o nosso irmão. É este Jesus que tem o verdadeiro rosto de Deus.