quarta-feira, 25 de julho de 2012

Aprender a compaixão e preparar a inclusão

Compaixão, inclusão são atitudes, portanto consequencias de um processo de ensino-aprendizagem. Já apresentamos em 2010 conceituações ligadas à Alteridade. Poderíamos acrescentar que alteridade é lançar um olhar compreensivo sobre o outro, sobre a outra pessoa. E então precisamos ter uma base que oferece experimentações de "como se aprende a compaixão".

Nos meus tempos de infancia isso ocorria de modo simples e o ambiente campesino oferecia uma gama de oportunidades. Bastava observar como era feito o trato aos animais semiconfinados e já se tinha uma noção de como as pessoas "proprietárias" concebiam suas relações com estes seres diversos, irracionais, instintivos, respondendo a um conjunto de estímulos sempre repetidos. Além disso, observar como se comportavam as formigas na horta, os pássaros em torno das árvores frutíferas, os pássaros na roça, no meu caso, um pouco longe da moradia.
Os meninos, meus queridos colegas de escola, não tinham dó, nem piedade dos pássaros. Os afugentavam com pedras. Também não tinham piedade com as formigas, que esmagavam ora com as próprias mãos, ora com os calçados, desconhecendo sua importancia no ciclo vital.

Este é apenas um simples exemplo de experimentações vivenciadas e do em torno delas. Proponho em primeiro, um passeio pelas suas memórias, caro professor, cara professora. Como ocorreu esse processo de aquisição do sentimento de compaixão? Em segundo, proponho que a reflexão seja compartilhada na forma de pequeno texto, entregue aos alunos. Aliás, temos visto, nos diversos lugares por onde passamos, que alunos de diferentes faixas etárias amam quando recebem uma produção de seu professor, ou de sua professora, mesmo não o demonstrando - mas isso já é outro tema. Em terceiro, proponho, para crianças até 12 anos, o texto "Carícias Compartilhadas", de Rabindranath Tagore, retirado do livro Valores para a Convivência", de Esteve Pujol i Pons e Inês Luz Gonzáles, editora A Girafa, São Paulo, 2006, p. 130ss.

Carícias Compartilhadas

Rabindranath Tagore
Um dia eu vi um bebê sem roupas deitado sobre a relva.
Sua irmã estava na beira do rio, esfregando um jarro com um punhado de areia, sem cessar.
Perto dali, um cordeiro de suave lã pastava seguindo o rio. O cordeiro se aproximou da criança e, de repente, baliu estrondosamente.
A criança estremeceu e começou a gritar.
A irmã abandonou sua tarefa e correu para ele.
Abraçou seu irmãozinho com um braço e o cordeiro com o outro e dividindo as suas carícias, uniu, no mesmo laço de ternura, o filho do homem e o filho da besta.
... e conclui:
CONHECER AS EMOÇÕES PRÓPRIAS PARA DEPOIS CONHECER AS EMOÇÕES ALHEIAS.

Em quarto lugar, e para alunos maiores de 12 anos, naturalmente adaptando a formulação de acordo com a própria experiência do professor, algumas afirmações, para concluir o estudo:
1. A compaixão não é debilidade sentimental.
2. A compaixão não é a experimentação de chorar diante da televisão. Nem ficar indiferente aos dramas da realidade.
3. Compaixão não é dizer: "Coitado!", mas fazer algo para tornar a pessoa que sofre menos infeliz.
4. A compaixão ultrapassa o "sentir", isto é, entra no campo da ação.
5. A compaixão inicia pelo olhar-se a si mesmo.
6. A compaixão elimina a desesperança, isto é, a compaixão aposta na esperança.
7. A pessoa compassiva não é inválida: ela pode ser cega, muda, paralítica, surda, porém terá algum dom que supera sua debilidade.


A vocês desejo um exelente trabalho!


quarta-feira, 18 de julho de 2012

Primórdios do Ensino Religioso Escolar no Brasil

Crise. É a sensação que temos ao entrarmos no ambiente escolar. E mais que sensação, é fato dado aos testemunhos dos próprios docentes. Tudo e todos são questionados e vários são questionadores. Questiona-se o conteúdo - serve para quê? Questiona-se genitores - o que estão ensinando (não ensinando) a esses filhos e filhas? Questiona-se professores e educadores - como não estão ensinando sobre este ou aquele aspecto, atualíssimo!, por que não ensinam tal coisa?

O problema está na fundamentação filosófica e os pressupostos para as perguntas existentes. Não estamos avançando, em minha opinião, na forma pedagógica "pergunta - resposta", também desenvolvida a partir dos diálogos com Paulo Freire. Rubem Alves, por sua vez, postula incentivar aos educandos a efetuarem a pergunta, para, consequentemente ocorrer resposta.

No caso do Ensino Religioso Escolar estamos em uma fase interessante: agora descobrimos, nós, profissionais da area, que podemos elaborar questões, que estão aí, sempre estiveram, mas que não foram verbalizadas até então. Mais ainda: podemos receber / observar / comprovar respostas às perguntas, sem medo de sermos desrespeitados. Isso, no entanto, é fruto de muita reflexão e, principalmente, de uma postura notoriamente científica, admitindo o diferente, levantando exatamente mais e mais perguntas.

Tecnicamente, o Ensino Religioso no Brasil passou por vários momentos, embora esses se deem ao longo de muitos anos. Vejamos o que o Boletim Informativo do GPER, nº 367, ano 8, com 3368 leitores, editado em 18.07.2012 relata:

"No dia 15 de outubro de 1827 na legislação complementar do Império Brasileiro o texto sobre o que deveria ser ensinado nas escolas pelos professores estava previsto que os professores deveriam organizar as aulas de leitura, escrita, gramática, de aritmética para as quatro operações, frações, decimais, leitura da Constituição do Império e história do Brasil. No campo da religião são propostos os princípios de moral cristão e da doutrina católica apostólica romana. Estamos na primeira metade do século XIX em uma sociedade organizada a partir de princípios morais religiosos homogêneos. Desta forma era “normal” esta compreensão religiosa na escola. Com a proclamação da república a separação entre Estado e Igreja era um dos princípios, já que a hierarquia do episcopado possui uma estrutura vinculada ao perfil da monarquia e no contexto do final do século XIX e primeira metade do século XX era contrária ao chamado era moderna. Sendo que o uso do ensino da religião era uma das estratégias para a manutenção desta situação.

No contexto brasileiro a lei de diretrizes e base da educação nacional de 1996 assumiu um país pluralista, em que o cenário social e cidadão da Constituição de 1988 foram feito uma releitura para educação e a escola. Por este motivo que a primeira versão do artigo 33 para o Ensino Religioso não era coerente esta perspectiva, a revisão do artigo era necessária para estar coerente com a nova perspectiva da Lei maior do país (1988) e da LDB (1996/1997)."

Certamente, isso elucida posições, confrontos anteriores, metodologias ainda existentes, postulações decorrentes e históricas. O melhor de tudo isso é que professores podem perguntar e podem, sim, encontrar respostas. O conhecimento evolui, o fazer educação melhora, as opções metodológicas de cada profissional são consequentes. Estamos no caminho que considera a ética da multiformidade. Melhoramos como país.

Gratidão

Leitores, leitora!
muito obrigada pelos acessos a este espaço.
Neste ano estou oportunizando releituras a vocês!
Aos poucos e nos tempos livres atualizo este espaço.
Este é o uso consciente do saber existente nesta area - a do Ensino Religioso Escolar, aliado à tecnologia disponível no momento.
Muito obrigada, mais uma vez, pelas leituras realizadas, reações e, principalmente, citações.
Aos professores em férias, votos de bom descanso.
Aos professores em atividades de estudo, votos de abençoadas descobertas!
Abraços!

quarta-feira, 11 de julho de 2012

A Maldade, o poder sem amor

Compartilho com vocês um texto que trabalho com alunos de nível Médio, em aulas de Ensino Religioso Escolar. Chama-se "Carta a um Adolescente" e é da autoria de Rubem Alves.


Carta a um adolescente

             Você pediu que eu escrevesse sobre a maldade. Foi a primeira vez que uma pessoa me pediu isso. Você foi corajoso e honesto porque falar sobre a maldade é falar sobre nós mesmos. A maldade é algo que mora dentro de nós, à espera do momento certo para se apossar do nosso corpo. Ao pedir que eu falasse sobre a maldade você me pediu que o ajudasse a entender o lado escuro de você mesmo.
             Para a gente entender a maldade é preciso entender, antes, os dois poderes de que somos feitos. somos feitos de uma mistura de amor e de poder. Amor é um sentimento que nos liga a determinadas coisas, e vai desde o simples gostar até o estar apaixonado. O amor quer abraçar, ficar perto, proteger. Am o meu cachorrinho, quero brincar com ele, tenho saudade dele. Se ele morrer eu vou chorar. Gosto da minha casa. Dói muito - dá raiva - se alguém picha de preto o muro que tinha justo sido pintado de branco. Gosto muito de uma pessoa: pode ser o pai, a mãe, o avô, a namorada. Por causa deste sentimento fico triste vendo que aquela pessoa está triste. O amor faz isso? Coloca o outro dentro da gente. O que o outro sente, a gente sente também. Um amigo meu, pedreiro, Senhor João, a primeira coisa que fazia quando me visitava em minha casa era salvar, com uma peneira, as abelhas que estavam morrendo afogadas na piscina. Ele sofria com as abelhas.
             Por isso, muitas pessoas são vegetarianas. Elas não suportam pensar na dor por que passam os bichos para que nós nos lambuzemos com a carne deles. Uma pessoa muito querida, que não é vegetariana, não consegue comer frango ao molho pardo. O molho pardo desse frango se faz com sangue - e ela se lembra de haver visto frangos de pescoço cortado, pendurados num gancho, ela se lembra do sofrimento daquela ave inocente. Os bichos também sofrem.
             O amor nos liga à natureza toda. Eu amo a natureza - os riachos, as cachoeiras frias, as matas, com suas samambaias, avencas, orquídeas, bananeiras, as borboletas, cigarras, pássaros. Nós, humanos, temos olhos deformados - não percebemos a beleza dos seres que são diferentes da gente. Mas todos eles, inclusive os besouros (que alguns chamam de "bisorros"), as rãs, os lagartos, as marias-fedidas, as tartarugas, os urubus - todos eles querem viver, sofrem, fazem parte desse nosso mundo e são necessários a sua existência. Todos eles são nossos irmãos - porque todos nós teremos o mesmo fim. Um dia nós voltamos à terra e, quem sabe, renasceremos como besouro ou galinha...
              Aquilo que eu amo eu quero proteger. Proteger o cachorrinho, o muro da casa, a natureza... Às vezes, a gente quer algo anterior ao proteger: a gente quer criar. Você ainda não é pai. Não tem, portanto, nenhum filho para proteger. Chegará o dia, entretanto, em que você desejará ter um filho que você ainda não tem. Para isso é preciso que você tenha os poderes de homem - para semear no ventre de uma mulher a semente do filho que você ama, mas ainda não tem. Você deseja ser (ainda não é) administrador de empresa, cozinheiro, médico ou flautista: você ama essas coisas, mas ainda não é. O amor, sozinho, não faz milagres. Para ser qualquer uma dessas coisas você terá que, devagarzinho, ir desenvolvendo poderes no seu corpo, poderes que tomarão a forma ou de conhecimentos ou de habilidades.
              Quando você tem essas duas coisas juntas, o amor e o poder, coisas muito bonitas acontecem. O poder torna possível a existência daquilo que a gente ama: gero um filho, planto um jardim, construo uma casa. O poder, assim, está à serviço da alegria. Pelo poder eu posso contribuir para que o mundo seja melhor. O poder e o amor, juntos estão à serviço da preservação da vida.
              Acontece, entretanto, que a vida anda devagar. Leva tempo para uma criança ser gerada. Leva tempo para uma árvore crescer. Por vezes, ao plantar uma árvore a gente sabe que nunca se assentará a sua sombra. Já a morte anda rápido. Mata-se numa fração de segundo. Basta puxar um gatilho. Ou pisar o bicho. Ou quebrar o ovo. Corta-se uma árvore que levou cem anos para crescer em poucos minutos: se for uma bananeira, basta um golpe de facão.

              Você me perguntou sobre a maldade: a maldade é isso – quando as pessoas sentem prazer no ato de destruir, isto é quando as pessoas sentem prazer no exercício puro do poder, sem que esse poder tenha um objetivo de vida. Bondade é o poder usado para a vida. Maldade é o poder usado para a morte. 
              A adolescência é o momento da vida quando se descobrem as delícias do poder. Criança tem amor mas não tem poder. Ela quer sorvete mas não tem o dinheiro. A mãe segura, põe de castigo, dá palmada. A criança é impotente. Na adolescência o corpo se desenvolve. Fica maior que o corpo da mãe, o corpo do pai. Ganha força. Juntos, então os adolescentes se constituem num exército poderoso. É por isso que os adolescentes gostam de estar juntos: isso lhes dá um sentimento de poder. Há coisas que nunca fariam sozinhos. Mas, em grupo, tudo é permitido. As pessoas mais mansas podem se tornar monstruosas em grupo. No grupo a gente perde o senso da responsabilidade moral.
              Como eu já disse, o poder, como fim em sim mesmo, sem um propósito de amor, dá prazer rápido. Quebrar, pichar, arrancar, bater, cortar esmagar, derrubar – todas essas são formas do poder-prazer a serviço da morte. É uma coisa demoníaca.
              Por isso, meu amigo, adolescente, quero confessar uma coisa que nunca confessei: “Tenho medo de vocês”. O fascínio que vocês têm pelo poder me assusta. É isso que é maldade: poder sem amor.
              Eu queria poder dar para vocês, como herança, o ovo onde moram os meus sonhos, na esperança de que vocês continuassem a chocá-lo, depois da minha partida. Sim, o mundo que eu amo se parece com um ovo: está cheio de vida mas é muito frágil. Dentro dele estão coisas delicadas, fáceis de serem destruídas: plantas, insetos, ninhos, aves, músicas, poemas, memórias, livros, peixes, muros brancos, crianças, velhos, jardins...
              Mas eu tenho medo que vocês não resistam à tentação de quebrar o ovo onde eu e o meu  mundo moramos. Como é fácil quebrar um ovo! Fácil e irreversível: nunca mais! Assim, por enquanto, o ovo onde moram meus sonhos fica sob a minha guarda. Até encontra os herdeiros que eu espero.

Este texto foi publicado no Correio Popular de Campinas, em 24 de fevereiro de 1996. Não é uma preciosidade? Não vou tecer aqui minhas considerações didáticas, assim como o fazia em sala de aula... torna-se longo e desnecessário. Que o seu trabalho frutifique!